A função da vírgula no ensino da Língua Portuguesa: desconstruindo o mito da pausa para respiração

Abstract

O presente artigo investiga a consolidação do mito da vírgula como marcador de pausa para respiração no ensino da língua portuguesa, fenômeno amplamente disseminado em práticas pedagógicas e discursos normativos. A partir da análise de três gramáticas normativas representativas dos séculos XIX, XX e XXI — respectivamente, as obras de Júlio Ribeiro (1885), Cunha e Cintra (1985) e Evanildo Bechara (2020) —, busca-se compreender como essa concepção foi construída, mantida e, gradualmente, transformada ao longo do tempo. Os resultados evidenciam que, no século XIX, a associação entre a vírgula e a pausa para respiração era central e explícita; no século XX, embora tal relação ainda figure de maneira destacada, as orientações normativas já privilegiam aspectos sintáticos e semânticos, promovendo uma abordagem mais multifacetada; por fim, no século XXI, a referência à pausa se torna pontual e secundária, inserida em um tratamento muito mais amplo e coerente com a complexidade funcional do sinal. A análise da BNCC mostra, contudo, que a persistência de orientações vagas e a falta de detalhamento favorecem a continuidade de explicações simplificadoras no ensino. Conclui-se que a superação do mito exige práticas pedagógicas reflexivas, sustentadas em abordagens que valorizem as dimensões sintática, semântica e discursiva da vírgula, promovendo o desenvolvimento de uma competência linguística crítica e autônoma.