Eu não sei ler, mas eu sei contar histórias": eventos de letramentos vivenciados por jovens e adultos fora e dentro da escolaEu não sei ler, mas eu sei contar histórias": eventos de letramentos vivenciados por jovens e adultos fora e dentro da escola

Abstract

Objetivamos, nesta tese, de forma geral, analisar os eventos de letramentos vivenciados por jovens e adultos de uma turma do primeiro segmento da EJA em um município do Agreste de Pernambuco, fora e dentro da escola. Além disso, buscamos mais especificamente traçar o perfil a respeito das singularidades que formam nossos participantes, identificar os eventos de letramentos que esses jovens e adultos vivenciam em suas práticas diárias, como também identificar os eventos oportunizados pela escola e, por último, averiguar se havia alguma relação entre os eventos de letramentos vivenciados por eles na escola e fora dela, isso dentro das ações pedagógicas de duas professoras. O aporte teórico que fundamenta essa tese contempla a consolidação da EJA no campo jurídico brasileiro. E também, no mesmo capítulo, abordamos aspectos relacionados à propagação do preconceito direcionado às pessoas jovens, adultas e idosas não alfabetizadas. O segundo aporte teórico baseia-se nos estudos sobre letramentos, o qual subdividimos em algumas temáticas, a saber: aspectos históricos, os Novos Estudos de Letramento e os conceitos de eventos e práticas de letramentos, o uso do termo letramento no Brasil e a relação desses conceitos com a educação de jovens e adultos, além disso, apresentamos o levantamento bibliográfico. Sobre os aspectos metodológicos, partimos de uma pesquisa do tipo etnográfica, que foi dividida em dois momentos: observações e entrevistas em sala de aula, contabilizando 54 dias observados ao longo do ano letivo de 2023; e observações de eventos de letramentos vivenciados por três adultos fora da escola, em suas práticas sociais, totalizando 18 observações ao longo do ano de 2023 e 2024. Também se utilizou um diário de campo e uma diagnose de escrita de palavras no início e ao final do ano letivo. Para a análise dos dados, baseamo-nos em categorias fundamentadas pela Análise do Conteúdo (Bardin, 1977) e nos perfis sociais dos participantes (Lahire, 2004). Os resultados evidenciaram que os jovens e adultos são constituídos por diversas singularidades, não podendo prevalecer a condição de analfabetismo como marca principal. Além disso, a turma era formada por pessoas que tiveram o seu direito à educação negado quando criança, fato acarretado por diversos motivos. Sobre os eventos de letramentos vivenciados no dia a dia, constatou-se que todos eles, em especial, os três adultos acompanhados, interagem com diversas situações em que a leitura e a escrita estão presentes, mostrando ter diversos conhecimentos a respeito dos mais variados eventos de letramentos: uso de listas, leitura de rótulos, leitura de cardápios, leitura de placas, leitura de avisos, como também uma forte interação com eventos de letramentos digitais, não só sabendo usá-los, como identificando a função social de cada um dos eventos. Sobre os eventos de letramentos explorados em sala de aula, evidenciaram-se ações que envolveram textos de circulação social, tais como poemas, cartas pessoais, biografias, rótulos de produtos, listas diversas e preenchimento de formulários. Todavia, em sua maioria, as atividades utilizadas tendiam a infantilizar, se afastando das especificidades do público ou, ainda, eram usados pseudotextos, em que os próprios adultos não viam sentido em sua utilização. Por último, averiguou-se que em muitos momentos eram tecidas aproximações entre os eventos de letramentos trabalhados em sala de aula com os vivenciados pelos jovens e adultos fora da escola. Tais tessituras eram feitas em duas vertentes: de forma oralizada, buscando reconhecer e valorizar o que os estudantes sabiam sobre determinados gêneros textuais, assim, relacionando com os eventos que eles vivenciavam, ou, ainda, utilizar as expectativas de aprendizagem deles sobre a escrita de determinados textos para guiar as escolhas pedagógicas, como na produção de listas e preenchimento de fichas, por exemplo.