Gestão autônoma da medicação como estratégia de cuidado em saúde mental

Abstract

Com a descoberta dos medicamentos antipsicóticos e antidepressivos na década de 1950, bem como o desenvolvimento de pesquisas e manuais de saúde mental, o tratamento psiquiátrico passou por um processo de reformulação nas formas de diagnosticar e tratar os transtornos mentais. Entretanto, o foco do cuidado às pessoas com transtornos mentais passou a enfatizar o uso de psicofármacos, muitas vezes empregados sem a devida exploração de outros métodos terapêuticos não farmacológicos. Aspectos da vida humana, como angústia, tristeza e certos comportamentos, anteriormente tratados como parte da experiência cotidiana, passaram a ser classificados como patologias passíveis de intervenção farmacológica. Nesse contexto, a Gestão Autônoma da Medicação (GAM) surge como uma metodologia de educação em saúde grupal, que promove o uso racional dos psicofármacos associado a outras formas de cuidado. O foco da GAM é a cogestão do cuidado e a autonomia dos usuários nas decisões relacionadas à própria saúde. Este estudo teve como objetivo analisar a implementação da Gestão Autônoma da Medicação direcionada a usuários de psicofármacos do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Trata-se de uma Pesquisa Convergente-Assistencial (PCA) com abordagem qualitativa, cujos participantes foram usuários de psicofármacos atendidos em um CAPS no Agreste pernambucano. Os dados foram coletados durante reuniões grupais semanais realizadas entre junho e julho de 2024, moderadas pela pesquisadora e um psicólogo, utilizando o Guia GAM-BR, instrumento já validado no Brasil. As narrativas foram transcritas e os dados analisados seguindo quatro etapas: apreensão, síntese, teorização e transferência. Esse processo permitiu identificar os principais comportamentos, sintetizar o conteúdo e elencar categorias temáticas que elucidaram os dados coletados. O estudo atendeu às normativas da Resolução no 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (Parecer no 6.917.565, CAAE no 77209124.00000.5208). Os encontros do Grupo GAM contaram com a participação de 17 usuários, sendo 11 homens e seis mulheres. Os transtornos mentais mais prevalentes foram esquizofrenia e transtornos do humor. A análise dos discursos fez emergir quatro categorias temáticas com base nos pressupostos da PCA: Repercussões do baixo letramento em saúde entre os usuários de psicofármacos; Implicações do uso de psicofármacos na qualidade de vida de pessoas com transtorno mental; Correlação entre rede de apoio, motivação e abandono do tratamento; e Experiência com o Grupo GAM e remodelação de saberes. O Guia GAM demonstrou ser uma metodologia eficaz para estimular os usuários de psicofármacos a assumirem um papel ativo nas decisões relacionadas ao seu tratamento. O uso de tecnologias promotoras da educação em saúde, como a GAM, possibilitou uma compreensão mais aprofundada da forma como os usuários percebem sua realidade, além de evidenciar a essencialidade das práticas educativas para a assistência em saúde mental. No entanto, observou-se que usuários com baixo letramento em saúde apresentam maiores dificuldades para se beneficiar do Guia GAM como estratégia isolada para a construção de uma base de conhecimento que viabilize o exercício pleno da autonomia.