Transpassar limites e ressignificar espaços : experiências em movimento em busca de refúgio na Região Metropolitana do Recife (PE)

Abstract

Os que caminham direcionados pela construção ou vivência de algo essencial - a proteção de suas vidas - impulsionam, com seus passos, os limites de estruturas soberanas injustas e violentas, contrapondo a fragilidade imposta através de seu movimento. Eles são chamados de refugiados. Em sua história, no ano de 1951 foi formulado seu instrumento jurídico internacional de proteção, mas os desafios em sua jornada persistem e se reconfiguram em novas feições. Por isso é cada vez mais necessário compreender os fatores responsáveis por esse fenômeno, repensando a maneira como pesquisamos e propomos medidas de proteção (KWEKA, 2007). A seguinte tese propõe aprofundar a compreensão sobre o fenômeno do refúgio na Região Metropolitana do Recife (PE) analisando os espaços de proteção (BARNES, 2009) não só em sua forma institucional, assim como através de uma informalidade desenvolvida por eles em seu cotidiano (LYYTINEN, 2015, 2016) nos espaços urbanos narrados, observando as especificidades da espacialidade desenvolvida. A construção da pesquisa parte da importância da subjetividade nas pesquisas científicas abordada nas contribuições da abordagem filosófica da fenomenologia de Edmund Husserl, fator importante na composição das geografias do refúgio (EHRKAMP, 2017) direcionadas também pelo “olhar atento” (TISHMAN, 2024) do pesquisador ao observar as experiências de refúgio de venezuelanos desde a saída de seu país de origem, passando por distintas trilhas até a chegada em cidades pernambucanas, destacando a importância das jornadas, pouco analisadas nas pesquisas sobre refúgio e nas migrações forçadas, possibilitando um aprofundamento da compreensão do seu “impacto psicossocial, das resiliências desenvolvidas e da adaptação à nova sociedade” (BENEZER; ZETTER, 2015, p. 303, tradução nossa). Essas vozes mostram a capacidade de transpassar os limites ao seu acolhimento e aos seus direitos, e as dificuldades desse processo, mesmo em um país (Brasil) em que existe a liberdade para sua mobilidade interna. O pensamento da Travessia de Achille Mbembe em oposição ao atual contexto de restrição à mobilidade humana no mundo ao destacar o direito de circular e de atravessar o mundo, assumindo um “status de passantes” (2013, p. 61) no qual durante o momento da travessia, “deixa-se algo” e “leva-se algo”, movimentando a subjetividade humana e o conhecimento, complementa as reflexões e direciona o pensamento para a transposição das fronteiras cotidianas e urbanas, compreendidas aqui como espaços de comunicação e de trocas (MACHADO, 2000, 2022). Seguindo estas linhas de composição metodológica, o movimento também foi desenvolvido pela pesquisadora como instrumento de análise, em conjunto com a realização de entrevistas, pesquisa documental e a observação e convivência cotidiana com pessoas migrantes e refugiadas de diferentes nacionalidades no espaço da Casa de Direitos do Recife (PE), no período de dois anos. A reflexão da análise dessas experiências mostrou a construção e a vivência de espacialidades intrinsecamente influenciadas pelo chão do refúgio ainda não desfeito após alguns anos no Brasil. Medo, resistência e esperança compõem os principais traços dessas geografias marcadas por uma extrema vulnerabilidade humana.