Corpos em transe e o ethos formativos das práticas de si : uma cartografia imagética das Rodas de Cura do Núcleo Educacional Irmãos Menores Francisco de Assis

Abstract

A Terra segue sendo pensada como ambiente inerte servindo meramente como pano de fundo ou cenário para o desenvolvimento da vida. Entretanto, nosso planeta tem um sistema de fisiologia próprio e luta para equilibrar a si mesma sempre que ações humanas ensandecidas intervenham contra a sua grandeza. Por fatos evidentes, percebemos que o ser humano e o mundo forjado por ele estão em transe. A percepção é que vivemos em tempos de fim. Com base nesse diagnóstico, a presente Tese problematiza uma questão historicamente subalternizada pelo campo acadêmico da Educação em geral, e da Filosofia da Educação em particular: o lugar dos corpos nos processos formativos. Inspirada pelo ethos da genealogia do cuidado de si desdobrada pelo pensador francês Michel Foucault, a pesquisa focalizou os chamados processos de dessubjetivação enquanto um caminho de pensamento em torno da relação educação-espiritualidade. Mais especificamente, buscou-se problematizar os corpos em transe apreendidos como territórios de uma experiência formativa singular. A investigação de abordagem qualitativa mobilizou uma cartografia imagética. O campo empírico foi o Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis, organização de caráter socioeducativo situada na comunidade do Coque, bairro da cidade do Recife em Pernambuco. Nesse âmbito, acompanhamos uma prática denominada Roda de Cura, na qual sujeitos de diferentes condições sociais, idade, gênero e até mesmo tradições religiosas se encontram entrelaçados em meio a um conjunto de práticas espirituais que agenciam diferentes forças que culminam na experiência de um corpo em transe. A coparticipação atenta permite defender que essas práticas comportam um ethos formativo que parece operar fora dos dispositivos de poder-saber que sustentam os ideais normalizadores que produzem a subjetividade. Isso acontece em razão das práticas movidas pela Roda de Cura ativarem processos de formação que contribuem para descentrar o sujeito da consciência enquanto detentor soberano dos saberes de si, dos outros e do mundo. Ao longo do trabalho, os processos de dessubjetivação emergem na forma de enunciados visuais que visam performar imageticamente as potências transformativas dos corpos em transe. A contemplação desses enunciados visuais foi complementada por meio de conversas orientadas que buscaram tangenciar os efeitos transversalizantes dessas experiências nos modos de vida dos sujeitos que compartilharam suas percepções acerca da Roda de Cura. Os sujeitos indicaram principalmente a força dos signos que são liberados na Roda de Cura, signos que falam de uma espiritualidade que atua descolonizando a formação humana pelo contato com agências-mais-que-humanas, ao mesmo tempo em que fazem florescer novos sentidos para a própria presença do humano no mundo. Vislumbres de uma formação humana menos antropocêntrica e mais afinada com os ritmos cosmológicos da vida.