Uma gramática descritiva do Nambikwara do Campo (Nambikwara do Sul)

Abstract

Este trabalho apresenta uma descrição e análise do Nambikwara do Campo, língua que pertence ao ramo sul da família linguística Nambikwara, cujos falantes habitam a Terra Indígena Nambikwara, localizada no noroeste do estado do Mato Grosso, Brasil. As línguas Nambikwara encontram-se em perigo de extinção, com transmissão linguística intergeracional parcial oral e influência da língua portuguesa. Os falantes do Nambikwara do Campo constituem um complexo etnias do cerrado (Halotesu, Kithãulhu, Sawentesu e Wakalitesu) que compartilham a mesma língua. O corpus utilizado para a realização deste trabalho compreende de mais de 200 horas de gravação recolhidas pelo autor em trabalhos de campo realizados nos anos de 2017 e 2019. A seção 1 apresenta brevemente o povo e sua localização geográfica e descreve os objetivos do trabalho. Também descreve metodologias utilizadas para coleta e análise de dados. A seção 2 apresenta as partes do discurso, iniciando pela descrição dos nomes, advérbios e numerais. Da classe dos nomes, destaca-se o sistema de classificação nominal e o sistema de posse. A seção 3 objetiva descrever as principais categoriais gramaticais do verbo, alterações na transitividade verbal, como operações de mudança de valência e mecanismos derivacionais. Também descrevemos a indexação verbal em cláusulas simples e os relacionamos a tipos de verbos. Assim como no Latundê (Nambikwara do Norte), o Nambikwara do Campo apresenta cisão na classe dos verbos intransitivos. Verbos apresentam padrões de indexação particulares para sujeitos agente e experenciadores. Em predicados transitivos, observamos o padrão nominativo-acusativo. As línguas Nambikwara apresentam ricos sistemas de evidencialidade, interrelacionados com a categoria tempo. No Nambikwara do Campo o sistema tempo/evidencialidade ocorre não apenas em declarativas, mas também nas interrogativas. Discutimos como construções de predicado não-verbal se apresentam na língua, descrevendo o papel das cópulas. Na seção 4, apresentamos de forma breve padrões sintáticos no nível do sintagma nominal e encadeamento de sintagmas nominais. Descrevemos alguns tipos de cláusulas imperativas, que se distinguem das cláusulas declarativas e interrogativas pela ausência do sistema de tempo/evidencialidade. Em seguida, descrevemos tipos de cláusulas dependentes e independentes. A língua se destaca pela produtividade de uso do verbo cópula nẽ, que atua como filler de verbos, nomes e no nível interclausal. A seção 5 traz as considerações finais com destaque para os principais pontos do trabalho e recomendações de aspectos da gramática que merecem maior investigação. As línguas Nambikwara, dado o caráter polissintético, têm uma alta capacidade combinatória de morfemas nas palavras verbal e nominal. Apesar dos morfemas serem relativamente transparentes, observamos que muitos processos ocorrem entre as fronteiras, incluindo a fusão de categorias, resultando em sistemas morfofonologicamente complexos. Os traços suprassegmentais também têm sido de relevância na caracterização das categorias verbais, especialmente o papel do tom. Pretendemos assim fornecer uma descrição gramatical inicial e estimular a pesquisa e futuros trabalhos de descrição e documentação da língua Nambikwara do Campo a serem realizados por seus falantes, visando à preservação deste rico acervo imaterial.