A complexidade da violência na primeira infância : um estudo de caso

Abstract

A primeira infância compreende o período dos primeiros seis anos de vida. Essa fase caracteriza-se pela sua relevância para os sujeitos, pois os acontecimentos que nela incidem repercutirão ao longo da vida. Entre as problemáticas que podem afetar essa etapa, citam-se as violências. Considera-se a violência na primeira infância como um fenômeno complexo, o que implica na necessidade de múltiplos olhares para sua compreensão e a adoção de novas formas de abordagem. Nesta direção, o paradigma da complexidade, segundo Edgar Morin, possibilita a mudança de uma perspectiva hegemônica para um olhar pautado pelo diálogo entre as inúmeras conexões que envolvem a problemática e todos os atores sociais. O objetivo do estudo foi compreender a complexidade da violência na primeira infância numa perspectiva intersetorial à luz do paradigma da complexidade. Estudo de caso único, holístico e descritivo, com uma abordagem qualitativa. O trabalho foi desenvolvido em um município localizado na Região Metropolitana de Recife (RMR) no estado de Pernambuco, com a participação de 33 profissionais de nível médio e superior. Esses profissionais atuavam nos serviços de saúde da Estratégia de Saúde da Família (ESF), serviços de educação voltados para Educação Infantil (creches), serviços de assistência social (Secretaria de Assistência Social, Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS, Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, Coordenação da Mulher, Gerência de Proteção Social Básica e Especial e instituição acolhedora) e o Conselho Tutelar do município. Foram utilizadas quatro fontes de coleta de evidências, sendo a documentação por meio do recorte de notícias da mídia local e legislações nacionais e estaduais da primeira infância; registro de arquivos com base em censo populacional, dados estatísticos dos sistemas de informação; entrevistas semiestruturadas realizadas com os profissionais voltados ao atendimento da faixa etária de primeira infância; e o registro das observações diretas das visitas realizadas ao município em diário de campo. A análise dos dados foi realizada através da técnica de Interpretação dos Sentidos, com utilização do software Atlas.ti 7.0. Evidenciou-se duas categorias temáticas: “Concepções acerca da violência na primeira infância”; e “Manejo da violência na primeira infância”. Na primeira categoria, muitos participantes apresentaram concepções acerca da violência na primeira infância guiadas pelo paradigma simplificador, compartilhando de uma cegueira para o fenômeno da violência na primeira infância. Na segunda categoria percebeu-se uma articulação mais ativa de alguns setores como a assistência social e o Conselho Tutelar, no entanto, foi revelada a falta de estruturação e a condução fragmentada dos casos pela rede de proteção às crianças vítimas de violência e suas famílias. Além disso, questões de ordem estrutural acabaram por interferir na autonomia dos profissionais, ao tempo que a maioria dos participantes expressou dificuldades para refletir sobre seu processo de formação. Nesta pesquisa, o paradigma da complexidade possibilitou discutir o fenômeno da violência na primeira infância numa perspectiva multidimensional e poliocular. Os achados desta pesquisa podem fornecer subsídios para a reestruturação de estratégias de enfrentamento da violência na primeira infância e para a elaboração de processos formativos com base em referenciais críticos.