A voz da lama: o protagonismo de uma rádio comunitária de Andada no combate ao coronavirus

Abstract

O bairro do Pina, periferia Sul do Recife (PE), contrasta em sua paisagem arranha céus de luxo e casas flutuantes à beira da bacia que leva o mesmo nome. Em 2020, com a pandemia do novo coronavírus, o bairro, que possui um dos menores índices de água encanada e coleta de lixo da cidade, teve um novo problema adicionado a uma longa lista já existente: o aumento na taxa de mortalidade na localidade. Foram mais de 100 entre os anos de 2020 e 2022. Nesse cenário de morte e de falta de políticas públicas, o Pina viu nascer a Rádio de Andada A Voz da Lama, rádio comunitária em atividade na Comunidade do Bode, que se propôs a atuar onde a comunicação governamental não estava chegando. Dessa forma, o objetivo geral do trabalho é compreender as estratégias de comunicação utilizadas pela rádio, em um trabalho conjunto com a comunidade pela sobrevivência à ameaça do vírus. Por meio da realização de observação participante, entrevistas livres, semiestruturadas e análise de conteúdo, buscamos responder à pergunta de pesquisa, que é: qual a singularidade da rádio A Voz da Lama em comunicar o surgimento de uma pandemia às comunidades de contextos populares, em um momento de crise sanitária e de informação? É que a rádio de perfil ambulante passou a se deslocar pelos becos e pela bacia do rio até seus ouvintes, via bicicleta e barco de som, mas não é este seu único diferencial. Além da geração de renda por meio do aluguel dos barcos de pescadores locais para distribuição dos conteúdos em um momento de instabilidade financeira, a rádio ainda promoveu ações educativas porta a porta, através do uso de megafone, distribuição de panfletos e colagem de lambes, atingindo um público além do que consumia seus conteúdos. Embora reconheça que A Voz da Lama “não mudou o mundo da comunicação”, como bem ressalta o fundador da Livroteca e do veículo ambulante Kcal Gomes (2022, em entrevista à pesquisadora), seria equivocado ignorar as contribuições ao nicho que a rádio se propôs atingir, a parte mais “de dentro” do bairro.