Difusão de inovações no Recife : fábulas, perversidades e possibilidades do trabalho de entregadores via plataforma digital

Abstract

A pandemia da COVID-19 trouxe visibilidade à relevância do trabalho realizado pelos entregadores, apesar de precarizado em diversas instâncias, inclusive oferecendo risco de acidentes e até de morte, em busca de obterem uma pouca remuneração. Investigamos essa questão à luz do conceito de difusão de inovações, aduzindo que no sistema territorial em que nos encontramos, essa precariedade é estrutural e condicionaria os usuários mais vulneráveis a ela se submeterem. Fenômeno global que, no caso do Recife em especial, promove a difusão e consequente adoção das inovações aqui estudadas – os apps de delivery – condicionadas por esse sistema territorial, afetando as escolhas dos adotantes que exercem o papel de infoproletariado. Esta dissertação discute as relações entre sistema territorial e a compreensão do fenômeno da difusão de inovações numa metrópole regional, situada na periferia do capitalismo tardio, o Recife. Para verificar a ocorrência de tais relações, procedeu-se inicialmente a uma revisão bibliográfica, seguida de levantamento e geoprocessamento de dados secundários produzidos pelo IBGE. Foram então conduzidas quinze entrevistas semiestruturadas junto aos entregadores, dentre as quais cinco estão transcritas como anexo ao presente trabalho. A partir daí, observamos a estrutura do território brasileiro, sobretudo do território recifense, por meio das tipologias da concentração urbana do Recife, e a relação entre a ocupação estratificada por cor ou raça do território e os níveis de renda. A formação desse território legou a sua população, em especial aos pretos e pardos, uma dívida histórica cujo saldo se traduz na pobreza, precariedade de condições habitacionais, educacionais etc. que refletem uma precariedade estrutural. Essas configurações socioespaciais influenciam as relações, em especial as de poder e produção, culminando em um sistema social e territorial que não apenas apresenta capacidade reduzida de produzir inovações. Também influenciam os papéis dos agentes e suas motivações em adotar essa inovação, sobretudo os mais vulneráveis entre os atores inseridos na rede por ela criada: os entregadores, cuja imagem de si parece ter introjetado a ideologia do empreendedor de si, embora não sem contradições. Fazendo evidentes as fábulas e perversidades promovidas por essa globalização, a pesquisa suscitou questionamentos sobre as possibilidades de uma outra globalização a partir de experiências de aplicativos alternativos, considerando uma melhor relação capital-trabalho e ação política e empreendedora mais favoráveis a esses sujeitos.