Episódios de Ise e o Decameron : um estudo comparativo sobre a secularização da imagem feminina na literatura

Abstract

Este trabalho se destina à investigação da relação entre duas obras literárias, o Decameron de Boccaccio e Episódios de Ise (伊勢物語, Ise monogatari), num esforço para reconstituir e aprofundar o conhecimento de suas formas de representação da realidade, à medida que enquanto gêneros literários compõem pontos fulcrais na historiografia literária de que são constituídos. No decorrer desta monografia, o contexto do trecento, da mobilidade social e da moralidade burguesa na Itália de Boccaccio é tomada a partir de Carpeaux (2012) e Hauser (1998), sendo tais fatores coadunados às perspectivas de Auerbach (2020) sobre a secularização e a representação da realidade no contexto do Renascimento e de Steinhauer (2016) sobre a caracterização, funcionamento e debates possíveis dentro do gênero novela, viabilizaram a compreensão do elemento feminino no Decameron como um elemento novo dentro literatura ocidental. Por meio desta articulação, partimos a um movimento semelhante a partir do contexto do desenvolvimento de novas culturas marcadamente nacionais e particulares que passam a surgir dentro da estética do Japão do período Heian 平安時代 (Heian jidai, 794 — 1185), tendo suas características embasadas a partir de McCullough (1999), Keene (1993), Kato (1979) e Yoshida (1999). De posse desse aparato a respeito do diálogo entre a história e a estética que desemboca nas cortes do Heian, demonstramos como a mulher também apresenta traços de uma nova representação, mais pautada na realidade prosaica e secular, tal como acontece nas novelas do Decameron de Boccaccio. Essa articulação é feita com base na perspectiva de representação da mulher na literatura deste período presente em Yamamoto (2021); nos diálogos entre as estéticas Miyabi (SORTE JUNIOR, 2018) e Furyu (KONISHI, 1986); e nos comentários de leitura à obra de McMillan (2016). Embora a articulação seja possível, chamamos atenção às particularidades que concernem à distância entre as duas culturas literárias, uma vez que a abordagem da perspectiva secular da mulher é comprovável nos dois âmbitos, mas a práxis estética nas duas obras naturalmente apresente divergências.